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Lenda do Ciclismo |
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Registado: 06 Set 2010, 22:30 Mensagens: 6629
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As discussões sobre a prestação portuguesa nos JO são da coisa mais parva que por aí anda, conseguindo mesmo ser piores que a mais ridícula discussão sobre futebol. A maior parte das pessoas não percebe sequer que evento é aquele e, por isso, devia ter o bom-senso de se abster de comentar. Não entende que é uma competição que reúne atletas de todo o mundo e de países com história nas diversas modalidades. Acham sempre que pagam para eles irem passear quando a esmola que eles recebem do estado aposto que não chega sequer para pagar os custos que eles têm para desempenhar a modalidade. São incapazes de entender que um 6ºlugar nos JO é um prestação genial e que requer anos e anos de treino e sacrifícios infinitos. Que a incerteza que dá piada ao desporto é a mesma que justifica que num ano o Nelson seja campeão olímpico e noutro ano não venha uma medalha no remo, mesmo que até fosse mais provável e que por isso os comentadores da modalidade tenham criado alguma expectativa. E que mais do que ninguém são os próprios atletas que querem vencer. Agora, também não vou muito na conversa da malta que diz que é preciso investir-se mais e de que isto vai lá com guito e que falta cultura desportiva porque só se liga ao futebol e os pais sonham com o filho a torna-se no Cristiano Ronaldo. A nível escolar e de formação acho que se deve dar as mesmas condições que ao futebol e aceitar que é normal que mesmo assim as pessoas optem por encaminhar os filhos para o futebol seja porque preferem ou porque acham que dá maior rendimento. A partir daí, investir ou não nos atletas olímpicos é uma decisão nacional, sendo que eu até acho que se deve apoiar, mas sem exageros. Investir muito em formar atletas olímpicos é cena de países com governos despóticos que os usam para mostrar a superioridade da nação ainda que o resto do mundo saiba que são países de oops em todos os parâmetros. Depois no caso de Portugal há também que aceitar que a nossa base de recrutamento não é assim tão grande pelo que se calhar os resultados obtidos nestes JO até foram positivos. Também por falta de escala dificulta a criação de infira-estruturas e de competições internas competitivas. E pessoalmente desde que os miúdos vivam felizes a praticar saudavelmente o desporto que mais gostam também não quero saber se estamos a criar futuros campeões olímpicos. Isso a vir tem que ser sempre por acréscimo. De qualquer forma, deixo aqui um dos textos que vi no facebook e que mais gostei: Citar: Em miúdo pratiquei alguns desportos, uns mais a sério que outros, ainda deu tempo para experimentar muita coisa (natação, atletismo, básquete, futebol, jogar ténis com malta que foi vice-campeã nacional, brincar ao andebol, passar tardes a jogar vólei).
Vamos lá ser honestos: era mau em todas, não mau no sentido daquele bacano que não consegue driblar ou não sabe fazer uma manchete ou um passe, mas mau no sentido de que posto ao lado dos melhores, até dos médios, enfim.
E conheci alguns dos melhores. Sou amigo de infância de um deles, joguei à bola com malta que se tornou profissional, corri ao lado de uma tipa que ainda sacou medalhas em nacionais. Eles jogavam para xuxu, eu observava.
E, sendo atrozmente abaixo de cão, aprendi duas ou três coisas, naqueles domingos de manhã em que tomávamos banho no balneário visitante, de parede aberta (não estou a brincar, isto aconteceu) e com água gelada, antes de uma viagem com sete ou oito putos num carro do pai de um - carro que não raro avariava.
Aprendi duas ou três coisas naquelas tardes tórridas em que uma corrida de mil e quinhentos metros parecia não acabar e só me apetecia desistir e me perguntava "Porque estou aqui?". Aprendi alguma coisa a defender os serviços de um amigo que fora vice-campeão nacional de júniores em ténis (nomeadamente, que é muito fácil deslocar um pulso). Aprendi alguma coisa ao partir os dois pés, ao enfiar os pitons num puto que era meio bully, ao passar anos ao lado de lançadores do peso que nunca passariam do regional, ao comer uma sandes de presunto como se fosse um etíope, numa berma de estrada, uma sandes oferecida por um qualquer pai, aprendi alguma coisa.
O Manarte, por exemplo, campeão nacional de básquete pela Ovarense e meu colega de carteira na primária (e novo treinador dos séniores). Era o primeiro a chegar e o último a ir embora, dava treino com nove anos, não jogava à bola connosco para não fazer entorses e acima de tudo tinha uma força mental como nunca vi: no treino, no jogo, uma força mental danada. E uma obsessão: ganhar, Que o levava a passar horas a treinar os fundamentos enquanto nós queríamos imitar os gajos da NBA. Horas e horas e horas a treinar lances livres, nunca esqueci esta oops, porque nem aos 12 anos e com muita pornografia treinei tanto o pulso.
Mas passemos ao atletismo. Imaginem putos de 12 anos a correr três vezes por semana em beiras de estrada mal iluminadas. Uma miúda com particular talento começou um dia a sangrar e não sabia que era a menstruação, ninguém a havia ensinado. O atletismo é um desporto de pobre, para irmos para as provas era preciso que alguém arranjasse carro e fazer uma vaquinha para a gasolina. Equipamentos, ténis - toda a gente tinha que meter dinheiro do seu. Como na bola: tínhamos uns calções, umas meias, umas chuteiras e uma camisola para treinar, dadas pelo clube. Era o que havia.
Isto é malta que treina antes e depois da escola, a chover, na lama, sem fisioterapeutas. Eu treinei pouco depois de partir um pé. Não sou um herói - só que acharam que eu fizera uma entorse e cumprido o tempo jogas que te fodes. Só anos depois se viu que o pé partira. Isto é banal - não o erro, mas o sacrifício. E isto estava muito longe de ser alta competição. Imaginem quando é a sério.
O esforço que um puto faz para praticar desporto em Portugal é algo que 99 % dos portugueses não entendem. O dinheiro que se gasta. As condições que não existem. Os banhos frios, os ténis gastos, chegar do treino e levar a roupa no tanque na água gelada porque amanhã há treino outra vez. E ganhar dinheiro a cortar relva para ajudar no que é preciso.
Vi gente que fazia quilómetros de camioneta para ir treinar. Atletismo. À noite. A chover. Nos arredores de Ovar. Isto não é pelo dinheiro. Não é pela glória. É por aquela coisa de fazermos mais do que nos dizem que conseguimos fazer (eu nem isso, eu bati recordes negativos). É por aquele momento em que abraças o colega que marcou um golo e pertences a um sítio. É porque não vais deixar que uma gripe te deixe de fora. Ou um pé em sangue. Ou uma cabeça partida.
Isto exige um sacrifício que a maior parte das pessoas não imagina. Uma resistência à dor a que quase todos estão alheios. Um companheirismo indescritível. E, em todos nós que éramos maus, uma sensação de frustração filha da fruta. Mas não importa: amanhã de manhã treinar outra vez. Porque com sorte cumprirás o teu sonho. Ou o Manarte por ti (és grande, meu, és o maior, o grande filho da terra e fica aqui o meu abraço).
É por isso que me fode o juízo ler tanta gente nas redes sociais com conversas de medalhas um mês depois do Europeu. A maior parte de vós (são os números que o dizem, não eu) não praticou cu de desporto. Nunca acompanhou uma manhã de canoagem, nunca desmaiou com uma bolada nos tintins, nunca rachou a cabeça, nunca tropeçou numa barreira, nunca ficou com bolhas nos pés das chuteiras emprestadas. A maior parte de vós nem sequer gosta de outra coisa que futebol - e até de futebol cuido que não gostam, só do vosso clube.
Então porquê esta exigência de medalhas a gajos que fazem milagres e têm resultados tremendos sem condições nenhumas (muito menos quando comparados com os concorrentes). Para quê zurzir contra o senhor da canoagem quando água para vosotros só no quentinho do chuveiro e no Algarve? Para quê as piadas há uns anos com a Telma quando se alguém vos levantasse a mão faziam chichi pelas pernas abaixo? Para quê? Há ouro e prata para o bacano que melhor reclama no laptop sobre merdas que desconhece por completo? Então parabéns, tuga, ganhaste essa oops, bro.
Ser quinto ou sétimo nos JO não é falhar. (Desta parte posso falar: sei bem o que é falhar no desporto. O que é ficar no oitavo lugar dos 60 metros barreiras do acesso ao nacional. Na bancada a olhar para o Manarte.) Mas isto não é falhar. Estes moços são dos melhores do mundo. Estudam e praticam desporto ao mesmo tempo e não ganham peva. A diferença para uma medalha está ali no guitinho, no bom do guitinho.
E no entanto a malta reclama. A mesma malta que não sabe quem é o campeão nacional de básquete, que não sabe o nome de uma maratonista e acha que vólei só de praia e no feminino. Dizem que somos sempre a mesma oops. Que nos falta mentalidade. Qual mentalidade. Quem chega a este nível em Portugal passou por tudo.
O que nos falta é dinheiro. Isso e juízo antes de teclar. Tende uma boa noite e vamos lá ser mais comedidos com esta malta, que no fundo eles são uns heróis e muito melhores no que fazem do que alguma vez vamos ser no que fazemos.
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