Então deixa cá ver se me consigo alongar mais um bocado.
Nunca fui propriamente a pessoa mais feliz, aliás, diria que até tenho tendências algo depressivas, mas questiono-me se a genética não será responsável por isso. A minha avó não teve uma história muito feliz, teve doenças graves e acabou por se deixar morrer para uma doença que tratada a tempo teria cura por se resignar, basicamente. A minha mãe não é muito forte psicologicamente também. Por comparação diria que o sou, mas já achei que era mais forte - até me deparar com uma situação que me fez ir bem abaixo no ano passado. Se não a tenho resolvido não sei se estava aqui ainda a escrever isto tal era a forma como me sentia na altura.
Diria que tive uma infância feliz, e apesar dos meus pais não terem grandes estudos ou grandes posses, são pessoas que considero inteligentes e estou grato pela educação que me deram. Ensinaram-me que talento não é nada sem trabalho e a ter brio no que se faz e isso é uma coisa que acabo por aplicar todos os dias. No entanto, uma situação fora do meu controlo, do foro financeiro, levou a minha família a perder praticamente tudo (e ainda nos dias de hoje a não estar completamente 'out of the woods', mas quase). Nunca fomos propriamente pessoas de ligar muito aos bens materiais mas eu não consigo sequer descrever o peso e pressão psicológica que isto tem e teve em cima de todos nós aqui em casa ao longo destes últimos 10 anos, e jamais desejaria o mesmo a alguém.
Como acho que já referi por aí algures, tive uma sorte tremenda de ter um outro familiar a pagar-me os estudos e a 'investir' em mim, e agarrei essa oportunidade não só como forma de vir a ter alguma independência, como também de tentar tirar os meus pais do buraco. No espaço de um ano ou dois és forçado a adquirir a maturidade que se adquire em 10 ou 15, para certos aspectos. E quando assim é não há margem de erro, não há margem para falhanço. Havia uma pressão estúpida (auto-imposta), mas era isso ou morrer na praia. E ainda assim para outros aspectos continuava (e continuo) a sentir-me bastante imaturo.
Os anos passaram, formei-me, o pior passou, tinha uma relação amorosa estável, emprego estável e ainda assim não estava feliz. Sentia-me estagnado. Tento evitar comparações com outras pessoas, e comparar-me apenas a mim mesmo, e olhava para trás um ano ou isso e não via grande evolução na minha situação no geral. Mas estava relativamente conformado com a situação. Tudo até aqui que tinha estado sob o meu controlo tinha sido um sucesso. Quanto muito as coisas podiam não estar a chegar ao ritmo que eu queria, o que sendo eu um gajo impaciente, é algo com que continuo a ter dificuldades em lidar, mas já tenho melhorado nesse sentido. E no fundo refugiava-me no trabalho para me esquecer um bocado do resto.
No entanto, no final de 2019/início do ano passado a situação no trabalho começou a mudar. Mudanças de gestão, colegas meus a serem 'queimados' por maus gestores, burnouts de várias pessoas (eu incluído), etc. Acabei por ser mais um de uma série de pessoas que entrou em rota de colisão com uma pessoa vingativa que faz com que as pessoas se despeçam ou aceitem ser espezinhadas ou humilhadas, pondo-as a olhar para a parede sem fazer nada (e efectivamente matando ali a progressão delas). De repente o 'refúgio' passou a ser um pesadelo diário, pessoas que eu pensava que eram meus mentores ou responsáveis pelo meu bem-estar estiveram-se completamente a cagar e deram de frosques também, etc. Coincidiu com o início da pandemia pelo que demorei uns meses a arranjar outro emprego. Outra pessoa ficaria tranquila e mamava ali o salário durante aqueles meses enquanto procurava outra coisa (o que muita gente me recomendou a fazer), mas simplemente eu não funcionava dessa forma.
Olhando para trás, foram 6 meses no inferno mas até estou estranhamente grato pela situação. Em primeiro lugar porque me fez aperceber que em quase 30 anos, nessas coisas que efectivamente eu podia de certo modo controlar, nunca tinha tido um 'falhanço' e como tal não sabia lidar com essa situação e como voltar mais forte depois disso. Perceber que isso também faz parte (e aliás, faz parte do quotidiano de muitas pessoas) e que é essencial para retirar lições importantes. Também se pode aprender com experiências negativas, se calhar até mais do que com as positivas. Fez-me ser mais grato para com o que tenho e para com as pessoas que me rodeiam e que realmente querem o meu bem-estar, fez-me realinhar as minhas prioridades e não me preocupar muito com trivialidades, fez-me perceber que daqui para a frente tenho de tomar muito bem conta de mim na questão da saúde mental e nunca mais na fruta da vida pensar que a minha vida se resume a trabalho, independentemente da oops que possa estar a acontecer à volta.
Dito isto, sou feliz? Não. Se calhar seria mais feliz se de hoje para amanhã me aparecessem 50 mil paus ou isso e isso ajudaria imenso os meus pais. Se eles estiverem felizes, eu estaria mais feliz. Estupidamente (e diria até felizmente) acho que a boa parte dos meus problemas se resolveriam com dinheiro, o que é bom. Há problemas piores e com menos resolução. Não é um cancro, não é uma doença rara, etc. Mas tirando isso, no plano pessoal, estou mais feliz que há um ano, numa situação melhor, a fazer um esforço activo para melhorar nem que seja um cagagésimo todos os dias, e pronto. Há dias bons e dias maus, mas é tentar gerir isso da melhor forma possível e apreciar mais as vitórias, que como disse no post acima, é algo que acho que não faço o suficiente.
A felicidade não é um objectivo, é um processo diário que se tem de trabalhar até um dia surgir como se de memória muscular se tratasse.
E é provável que esta oops não faça sentido para nenhum de vocês, mas se meter pelo menos uma pessoa a pensar, já cumpriu o seu objectivo.
_________________
|